segunda-feira, 10 de agosto de 2009

A hipótese Marina

FOLHA DE S. PAULO, TENDÊNCIAS/DEBATES
ALFREDO SIRKIS

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As reações até agora escamotearam o essencial: Marina representa ideias e aspirações compartilhadas por milhões de brasileiros
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É COMPREENSÍVEL que a possibilidade de uma candidatura da senadora e ex-ministra do meio ambiente Marina Silva cause, por um lado, entusiasmo e excitação e, por outro, preocupação.
Milhões de brasileiros sensíveis à causa ecologista, à sustentabilidade ambiental e social de nosso modelo econômico, aos destinos do planeta ameaçado pelo aquecimento global, à devastação de nossos ecossistemas e à qualidade de vida nas nossas cidades vivem na expectativa de dispor de uma voz própria, eloquente, na campanha presidencial -até agora arena exclusiva dos defensores do desenvolvimentismo clássico dos anos 60.
Por outro lado, entende-se que haja políticos inquietos, cada qual fazendo seu cálculos: afinal, uma eventual candidatura da Marina Silva me ajuda ou me atrapalha? Quanto ajuda? Quanto atrapalha? Bombardear? Não bombardear?
É curioso que as reações políticas e a maioria das análises jornalísticas gravitem em volta desses cálculos pragmáticos enquanto escamoteiam o essencial: Marina representa ideias e aspirações hoje compartilhadas por milhões de brasileiros.
Não será legítimo e até importante para a democracia brasileira que elas estejam representadas em uma eleição de dois turnos?
Numa dimensão minimalista, teríamos uma campanha altamente instrutiva e educativa, não apenas naquele discurso clássico, defensivista, do ambientalismo (deter a destruição da Amazônia e de sua biodiversidade, a contribuição das suas queimadas em emissões de CO2 etc.) mas também na didática daquilo que as vertentes hegemônicas do desenvolvimentismo clássico não conseguem perceber: o futuro econômico e social do Brasil, hoje, depende de mergulharmos de cabeça numa economia verde!
Nenhum outro país está tão bem posicionado quanto o Brasil para atrair investimentos para um ecodesenvolvimento, muito embora insistamos em monoculturas, na devastação da biodiversidade para estender mais e mais a fronteira pecuária, em subsidiar veículos poluentes e emissores de carbono, em novas termoelétricas a carvão e novas rodovias no coração da floresta.
No entanto, Marina tem um potencial além do eloquente discurso de primeiro turno para depois arrancar compromissos programáticos.
Ela pode contribuir para a superação dessa abissal fenda da política brasileira: a compulsória aliança das duas vertentes da social-democracia com as oligarquias políticas na busca da governabilidade.
PT e PSDB disputam, como lucidamente notou em certa ocasião o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, "quem vai liderar o atraso".
No instável sistema político-institucional produto do nosso "voto jabuticaba", proporcional personalizado, ambos dependem do clientelismo e do fisiologismo profissional para governar. Melhor fariam em se aliar em algum momento, mas, como a disputa central se dá entre eles, isso dificilmente acontecerá, e a rivalidade entre eles é feroz.
Nós, verdes, nos relacionamos com ambos e reconhecemos o papel que respectivamente tiveram nos inegáveis avanços econômicos e sociais vividos pelo Brasil desde 1994.
Marina é bem talhada para promover uma nova governabilidade com ambas as vertentes que, enfim, supere essa polarização bizarra, isole o atraso e abra caminho para uma reforma do nosso sistema eleitoral, secando sua dependência do clientelismo, do fisiologismo e do assistencialismo, fontes maiores da corrupção, do excesso de cargos comissionados, do mau uso da máquina pública e da compra de votos, direta ou via centros assistenciais.
O direito de ter um sonho de país e lutar para tirá-lo do papel é inalienável. Os verdes não abrem mão dele, mas também reconhecem que isso transcende suas limitadas fileiras.
Nesse momento, é impossível saber, de fato, se Marina será ou não candidata. É uma decisão difícil, de fé íntima, que há que aguardar.
O caminho político, no entanto, é claro: não é anti-PT. Nossa fraternidade, muito particularmente com o PT do Acre, remonta a Chico Mendes.
Também não é antitucanos.
Certamente não é anti-Lula, embora não possamos abrir mão de criticar sua atitude frequentemente atrasada e deseducativa na questão ambiental.
Pode, eventualmente, vir a ser pós-Lula...
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ALFREDO SIRKIS, 58, é vereador pelo PV no Rio de Janeiro, presidente do Partido Verde do Rio e vice-presidente nacional de seu partido. É autor, entre outras obras, de "Os Carbonários".