segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

O mundo assistiu ao fracasso em Copenhague e agora se pergunta: de quem é a culpa?


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Conferência de Mudanças Climáticas não alcançou o acordo esperado e mostrou que as negociações políticas e diplomáticas não acompanham a velocidade na qual avança o aquecimento global

Juliana Radler, especial de Copenhague

Esse 18 de dezembro de 2009 ficará marcado na história como o dia no qual os principais líderes mundiais falharam na tentativa de se chegar a um acordo capaz de salvar o planeta da maior ameaça pela qual nossa civilização já se defrontou: o aquecimento global. O presidente Lula na abertura de seu discurso na plenária resumiu o sentimento que tomava grande parte dos participantes da conferência: “sinto-me muito frustrado”.

O final da conferência terminou de forma dramática, neste sábado (19/12), após uma interminável sessão plenária durante a madrugada com falas veementes e muitas vezes passionais dos negociadores dos 193 países membros desta Convenção das Nações Unidas. E de quem é a culpa por esse histórico fracasso? Como os países foram capazes de negociar por dois anos – desde a conferência da ONU de Bali, em 2007 – e não chegar a um acordo a altura do problema climático, como era esperado por todo o mundo aqui em Copenhague? Agora, a decisão fica para 2010 e a expectativa transfere-se para a próxima conferência no México.

Sem dúvida, os Estados Unidos respondem pela maior fatia deste indigesto banquete de falsas promessas. Muita esperança foi depositada no presidente Barack Obama, que em sua campanha eleitoral mostrava-se totalmente comprometido com o problema do aquecimento global. Porém, aqui em Copenhague, o que assistimos foi um Obama muito preocupado com sua popularidade junto ao reacionário eleitorado norte-americano, que pouco acredita nas causas e consequencias do aquecimento global. A sobrevivência da humanidade ficou em segundo plano para o sr. Obama e sua secretária de Estado, Hillary Clinton.

Visivelmente abatido, Paulo Adário, diretor do Greenpeace Brasil e um veterano das negociações climáticas, ressaltou: “Isso é um fracasso, um desastre. Qual é o legado que vamos deixar com isso? Obama discursou não olhando para a opinião pública mundial e, sim, para Sara Pallin e para o seu eleitor. O mundo não pode ficar refém das decisões do Congresso americano. Sem os Estados Unidos fortemente engajados neste processo, não há acordo. A conta das emissões simplesmente não fecha”.

O membro do Parlamento alemão e porta-voz do Partido Verde, Hermann Ott, lamentou a perda de legitimidade que o processo de negociação de mudanças climáticas sofreu nesta conferência de Copenhague. “As decisões são tomadas por pequenos grupos de países e a sociedade civil foi totalmente colocada de lado do processo”, criticou referindo-se à restrição feita às ongs em participar da conferência. No último dia de negociações, apenas 90 representantes de organizações não governamentais foram autorizados a entrar no Bella Center. As duas semanas da conferência foram marcadas por protestos e prisões de ativistas.

(desa)Acordo de Copenhague

Durante toda a tarde do último dia de negociações, o presidente Obama costurou o que foi chamado de “Acordo de Copenhague”. Por algumas horas, o “Acordo” foi considerado o resultado final da Conferência. Os sites dos três principais jornais brasileiros informavam equivocadamente que a conferência estava encerrada e o o resultado final era o decepcionante “Acordo de Copenhague”. A delegação brasileira, incluindo o ministro do meio ambiente, Carlos Minc, concedeu entrevista, prematuramente, dando o fato como consolidado.

O que parecia ser o fim dessa ópera ainda não tinha chegado, como anunciado, ao seu último ato. O “Acordo de Copenhague” , que foi elaborado por um grupo de apenas 25 países, incluindo o grupo Basic (formado pela Índia, Brasil, China e África do Sul), além de Estados Unidos e outras grandes economias, não havia sido submetido à Plenária da Convenção de Mudanças Climáticas, na qual qualquer decisão precisa ser aprovada por consenso entre os 193 países participantes.

Ao invés de um documento com poder legal contendo metas de redução dos gases do efeito estufa para o período entre 2012 e 2020, o “Acordo de Copenhague” é uma espécie de “carta de intenções” sem nenhuma obrigação e, sobretudo, sem o esperado envolvimento dos Estados Unidos no processo. Como disse o consultor especial do Ministério do Meio Ambiente, Tasso Azevedo, foi melhor não chegarmos a nenhum acordo do que aceitarmos um acordo insuficiente como o proposto, no qual não havia menção ao item mais importante do processo: o percentual de redução global das emissões dos gases do efeito estufa.

Na submissão do “Acordo de Copenhague” à Plenária, vários países, começando por Tuvalu, criticaram e se negaram a aceitar o documento. Muitos acusaram que o documento foi formulado sem transparência. O negociador do Sudão afirmou: “Todo o princípio de transparência foi violado e é imoral pensar que esse documento foi elaborado no corpo de uma conferência da ONU. Ninguém, nem Obama, pode forçar a África a destruir a si própria”, ressaltou.

Os negociadores boliviano, cubano e colombiano também criticaram a falta de transparência no processo de redação do documento. “Por que esse documento não foi discutido com todos nós? Por que nós temos apenas uma hora para aceitá-lo ou não?”, perguntou o diplomata boliviano, acrescentando que o processo da Onu está sendo conduzido de forma ditadorial, sem transparência e legitimidade. E o cubano acrescentou: “Não aceitamos esse documento e declaro que nessa conferência não existe consenso. O texto do documento só contém frases vagas e é incompatível com os critérios científicos”.

Alguns países que se opuseram ao “Acordo de Copenhague” defenderam o estabelecimento de uma meta que permita manter a temperatura abaixo dos 1,5 graus celsius, um limite mais seguro para garantir sua sobrevivência. O bispo sulafricano Desmond Tutu, Nobel da Paz, por exemplo, afirmou na conferência que a meta de 2 graus Celsius (proposta pelo “Acordo”) é fatal para a África e não será suficiente para evitar drásticas consequencias ao continente, como o aumento da desertificação, que causará fome, pobreza e tornará milhares de africanos em refugiados ambientais.

O “Acordo de Copenhague” foi, dessa forma, recusado como um documento final da conferência, sendo apenas incluido como uma nota a ser considerada nesta conferência. “Isso é o que de mais fraco poderia acontecer. A Convenção apenas toma nota da proposta”, explicou Tasso.

Investimentos

Diante da inércia das negociações, alguns passos foram dados em Copenhague. Do ponto de vista de financiamento para mitigação e adaptação aos efeitos das mudanças climáticas, foi acordado que serão investidos entre 2010 e 2012 o total de US$ 30 bilhões, alocados sobretudo nos países mais vulneráveis, como os Estados-Ilha e os países mais pobres da África. No longo prazo foi anunciado o objetivo de captar, tanto no mercado,quanto em financiamento público, o total de US$ 100 bilhões anuais até 2020 para serem investidos em países em desenvolvimento. Esses investimentos serão condicionados a verificação internacional que priorize a transparência dos dados para consulta e análise internacional, como foi requisitado pelos países desenvolvidos.

Ciência e Diplomacia: fora de compasso

Uma mensagem está clara nesta conferência da ONU: a velocidade das negociações diplomáticas e políticas não estão acompanhando a velocidade na qual avança o problema do aquecimento global, tal como relatam os seguidos estudos científicos divulgados. Mesmo diante de uma catástrofe ambiental anunciada, os líderes foram incapazes de chegar a um consenso capaz de construir um acordo com metas de redução para o período entre 2012 e 2020.

Se reduzirmos em 50% as emissões de gases do efeito estufa até 2050, a probabilidade de que a temperatura global não ultrapasse os 2 graus celsius é de apenas 15%, como informou o cientista do Inpe e presidente do Forum Brasileiro de Mudanças Climáticas, Carlos Nobre. Isso significa que mesmo as metas que vinham sendo colocadas na mesa e não foram alcançadas já eram, do ponto de vista científico, muito aquém do necessário para evitar, com margens seguras, os efeitos mais danosos ao clima. Para se chegar a um nível mais seguro seria preciso negociar reduções globais entre 70% e 80% nas emissões de gases do efeito estufa até 2050 em relação aos níveis de 1990, apontou Nobre.



Juliana Radler
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