terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Obama fazendo papel de vilão

Ao impor o acordo, ele assumiu uma responsabilidade muito grande na história


VALOR 22dez09 Jeffrey D. Sachs

Se os EUA não participarem de mais negociações, Obama terá sido ainda mais prejudicial ao ambiente do que George Bush foi

Os dois anos de negociações sobre mudanças climáticas acabaram em uma farsa em Copenhague. Em vez de enfrentar as questões complexas, o presidente Barack Obama decidiu declarar vitória com um comunicado vago de princípios acertado com outros quatro países. Os 187 países restantes receberam um "fait accompli", um fato consumado, que alguns aceitaram, outros denunciaram. Depois do fato, a Organização das Nações Unidas (ONU) argumentou que o documento, em geral, foi aceito, embora o teor para a maioria tenha sido de "pegar ou largar".

A responsabilidade desse desastre é ampla e a lista vai longe. Comecemos com George W. Bush, que ignorou as mudanças climáticas nos 8 anos de sua presidência, desperdiçando o precioso tempo do mundo. Ainda temos a ONU, por ter administrado o processo de negociação de forma tão lamentável durante esse período de 2 anos. A União Europeia também, por pressionar incansavelmente com uma visão obcecada por um sistema mundial de negociação de emissões, mesmo quando tal sistema não se adaptaria ao resto do mundo.

Temos o Senado dos Estados Unidos, que ignorou as mudanças climáticas por 15 anos consecutivos desde a ratificação da Convenção Básica das Nações Unidas Sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC, na sigla em inglês). Por fim, está Obama, que na prática abandonou uma linha sistemática de ações sob a convenção da ONU, porque isso se mostrava incômodo para o poder e a política doméstica dos EUA.

A decisão de Obama de declarar uma falsa vitória nas negociações corrói o processo da ONU ao sinalizar que os países ricos farão o que bem entender e que não precisam mais ouvir as "inoportunas" preocupações de países mais pobres. Alguns podem ver isso como algo pragmático, que reflete a dificuldade de um acordo entre os 192 membros da ONU.

Mas é pior do que isso. A lei internacional foi substituída pela voz inconsistente, insincera e pouco convincente de algumas poucas potências, mais notavelmente os EUA. A América insistiu que os outros assinassem sob seus termos - deixando o processo na ONU pendurado por um fio -, sem nunca mostrar boa vontade com o resto do mundo nessa questão, nem a habilidade ou o interesse necessários para assumir a dianteira no assunto.

Quanto a uma redução real das emissões dos gases causadores do efeito estufa, é improvável que esse acordo consiga algo autêntico. Não é obrigatório e provavelmente fortalecerá as forças que se opõem à redução das emissões. Quem enfrentará seriamente os custos adicionais de reduzir as emissões ao ver como as promessas dos outros são complacentes?

A realidade é que o mundo agora vai esperar para ver se os EUA vão conseguir alguma redução significativa das emissões. Há sérias dúvidas quanta a isso. Obama não tem os votos no Senado, não mostrou a disposição de gastar capital político para conseguir um consenso no Senado e poderia nem ver uma votação na casa sobre a questão em 2010, a menos que pressione muito mais do que até agora.

O encontro em Copenhague também não conseguiu o compromisso de ajuda financeira dos países ricos aos pobres. Vários números foram apresentados, mas a maioria deles, como usual, eram promessas vazias. Além de alguns anúncios de gastos modestos para os próximos anos, que poderiam - apenas poderiam - somar poucos bilhões de dólares, a grande notícia foi o compromisso de US$ 100 bilhões por ano para os países em desenvolvimento em 2020. Essa quantia, no entanto, não veio acompanhada de detalhes sobre como seria obtida.

A experiência sobre a ajuda financeira para o desenvolvimento nos ensina que os anúncios sobre dinheiro para dez anos no futuro são, na maioria das vezes, palavras vazias. Não comprometem os países ricos de forma alguma. De fato, Obama não discutiu uma vez sequer com a população americana a responsabilidade desta sob a convenção da ONU para ajudar os países pobres na adaptação ao impacto das mudanças climáticas. Assim que a secretária de Estado, Hillary Clinton, mencionou o "objetivo" de US$ 100 bilhões, muitos parlamentares e a mídia conservadora condenaram a meta.

Uma das questões mais notáveis do documento liderado pelos EUA é que não menciona nenhuma intenção de continuar as negociações em 2010. Quase certamente, isso é deliberado. Obama quebrou as pernas da convenção da ONU sobre mudanças climáticas ao, na prática, declarar que os EUA farão o que quiserem e que não estarão mais envolvidos no confuso processo climático da ONU em 2010.

Essa posição poderia muito bem refletir a aproximação das eleições parlamentares de meio de mandato em 2010, nos EUA. Obama não quer ficar preso em meio a negociações internacionais impopulares quando a temporada de eleições chegar. Ele também pode estar sentindo que tais negociações não chegarão a muita coisa. Certo ou errado a respeito dessa questão, a intenção parece ser matar as negociações. Se os EUA não participarem de mais negociações, Obama terá mostrado ser ainda mais prejudicial ao sistema internacional de leis ambientais do que George Bush foi.

Para mim, a imagem que fica de Copenhague é a de Obama aparecendo na entrevista coletiva para anunciar um acordo que apenas cinco países haviam visto e depois ir às pressas ao aeroporto, para voltar a Washington, DC, a tempo de evitar uma tempestade de neve que se aproximava da capital. Ele assumiu uma séria responsabilidade na história. Se suas ações se mostrarem inadequadas, se os compromissos voluntários dos EUA e dos outros países se mostrarem insuficientes e se as negociações futuras saírem dos trilhos, terá sido Obama quem, sozinho, trocou a lei internacional pela política das grandes potências nas mudanças climáticas.

Talvez, a ONU se recuperará, para ficar mais bem organizada. Talvez, a aposta de Obama funcione e o Senado dos EUA aprove as leis e os outros países também façam a sua parte. Ou, talvez, tenhamos apenas testemunhado um importante passo em direção à ruína mundial, ao termos fracassado em cooperar em um desafio complexo e difícil que exige paciência, habilidade, boa vontade e respeito pela lei internacional - qualidades que estiveram em falta em Copenhague.

Jeffrey D. Sachs é professor de Economia e diretor do Instituto Terra, na Columbia University.