segunda-feira, 12 de julho de 2010

SBPC e ABC manifestam preocupação com mudanças propostas ao Código Florestal


JC e-mail 4045, de 05 de Julho de 2010.
Entidades alertam que reformulação não tem sólida base científica. "A maioria da comunidade científica não foi sequer consultada e a reformulação foi pautada muito mais em interesses unilaterais de determinados setores econômicos", criticam

Em carta endereçada ao deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), relator da Comissão Especial do Código Florestal Brasileiro, os presidentes da SBPC, Marco Antonio Raupp, e da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Jacob Palis, manifestam preocupação, em nome da comunidade científica do país, quanto às mudanças propostas ao Código Florestal.

A comissão especial criada para analisar os projetos que alteram o Código Florestal (Lei 4.771/65) começa a discutir o relatório do deputado Aldo Rebelo nesta segunda-feira, 5 de julho. (leia nota 2 desta edição)

"[A comunidade científica] antevê a possibilidade de um aumento considerável na substituição de áreas naturais por áreas agrícolas em locais extremamente sensíveis como são as áreas alagadas, a zona ripária ao longo de rios e riachos, os topos de morros e as áreas com alta declividade", alertam as entidades.

Ambas ressaltam que reconhecem a importância da agricultura na economia brasileira e mundial, como também a importância de aperfeiçoar o Código Florestal visando atender a nova realidade rural brasileira.

Leia a íntegra da carta, encaminhada também aos parlamentares membros da Comissão Especial:

"Senhor Deputado,

O Brasil foi o primeiro país do mundo a buscar uma agricultura tropical altamente produtiva, fruto principalmente de investimentos contínuos em ciência e tecnologia. Com o aumento da produtividade das principais culturas agrícolas, a agricultura brasileira ganhou destaque mundial e passou a contribuir, decisivamente, para o desenvolvimento econômico e social do país, produzindo alimentos, fibras e bioenergia para o consumo interno e para exportação.

O Brasil já é uma potência agrícola, mas deve ser observado que o paradigma predominante em outras potências agrícolas do mundo desenvolvido é o do aumento da produtividade e não da expansão das fronteiras agrícolas. A competitividade se dá no terreno de maior inserção de ciência e tecnologia na produção e maior agregação de valor nas cadeias produtivas agrícolas e pecuárias.

Paralelamente, o Brasil ainda preserva grandes áreas intactas que abrigam uma extensa gama de formas de vida, caracterizando o país como detentor de uma megabiodiversidade. Portanto, o país tem a chance única na história de conciliar uma agricultura altamente desenvolvida com vastos ecossistemas naturais preservados e ou conservados que produzem uma gama de serviços ambientais dos quais a própria agricultura depende, dentre eles se destacam a manutenção da fertilidade dos solos e suas propriedades físicas e a produção e sustentabilidade dos regimes hídricos dos ecossistemas.

Editado em 1965, e substancialmente reformulado em 1989, o Código Florestal, constitui-se até hoje na peça fundamental de uma legislação ambiental reconhecida com uma das mais modernas do mundo. Ainda passível de aperfeiçoamentos como qualquer legislação, o Código Florestal é um arcabouço legal fundamental na manutenção de paisagens multi-funcionais que permitam seu aproveitamento tanto para a produção de alimentos, fibras e bioenergia; como também para preservação e manutenção dos ecossistemas, com amplos benefícios para toda a população.

Baseando-se na premissa errônea de que não há mais área disponível para expansão da agricultura brasileira, o Congresso brasileiro propôs, recentemente, uma reformulação do antigo Código Florestal.

Infelizmente, a reformulação desse Código não foi feita sobre a égide de uma sólida base científica, pelo contrário, a maioria da comunidade científica não foi sequer consultada e a reformulação foi pautada muito mais em interesses unilaterais de determinados setores econômicos.

Em decorrência, a comunidade científica brasileira se encontra extremamente preocupada frente às mudanças propostas, pois esta comunidade antevê a possibilidade de um aumento considerável na substituição de áreas naturais por áreas agrícolas em locais extremamente sensíveis como são as áreas alagadas, a zona ripária ao longo de rios e riachos, os topos de morros e as áreas com alta declividade.

As mudanças do Código Florestal igualmente poderão acelerar a ocupação de áreas de risco em inúmeras cidades brasileiras, estimular a impunidade devido a ampla anistia proposta àqueles que cometeram crimes ambientais até passado recente e a oportunidade de Estados brasileiros utilizarem a prerrogativa de legislar sobre temas ambientais para atrair futuros investimentos associados a mais degradação ambiental no meio rural.

Esta substituição levará, invariavelmente, a um decréscimo acentuado da biodiversidade, a um aumento das emissões de carbono para a atmosfera, no aumento das perdas de solo por erosão com consequente assoreamento de corpos hídricos, que conjuntamente levarão a perdas irreparáveis em serviços ambientais das quais a própria agricultura depende sobremaneira, e também poderão contribuir para aumentar desastres naturais ligados a deslizamentos em encostas, inundações e enchentes nas cidades e áreas rurais.

Assim sendo, a comunidade científica reconhece claramente a importância da agricultura na economia brasileira e mundial, como também reconhece a importância de aperfeiçoar o Código Florestal visando atender a nova realidade rural brasileira.

Entretanto, entendemos que qualquer aperfeiçoamento deva ser conduzido à luz da ciência, com a definição de parâmetros que atendam a multi-funcionalidade das paisagens brasileiras, compatibilizando produção e conservação como sustentáculos de um novo modelo econômico que priorize a sustentabilidade.

Desta forma podemos chegar a decisões consensuais, entre produtores rurais, legisladores, e a sociedade civil organizada, pautadas por recomendações com base científica, referendadas pela academia e não a decisões pautadas por grupos de interesses setoriais, que comprometam de forma irreversível nossos ecossistemas naturais e os serviços ambientais que desempenham."