quinta-feira, 21 de abril de 2011

*OS-CAMPEÕES*

Por Miriam Leitão
O Globo, 18abr11

As notícias conversam.  O JBS-Friboi foi escolhido pelo BNDES para ser o campeão brasileiro na produção de carne.  Recebeu R$ 7 bilhões nos últimos três anos.  Agora, foi acusado pelo Ministério Público do Acre de comprar carne de fazenda com trabalho escravo.  A Bertin recebeu em três anos R$ 3,3 bilhões.  Saiu da carne, entrou em energia e não consegue cumprir nenhum contrato.

Divulgadas no noticiário diário, as informações parecem não estar relacionadas.  Juntas, elas contam que a estratégia do BNDES de escolher campeões para liderar setores no Brasil está fracassando, da mesma forma que fracassou nos anos 1970.

Inúmeros frigoríficos quebraram desde a crise de 2008 e haveria naturalmente uma concentração, mas o BNDES negou empréstimos a alguns e concentrou ajuda fabulosa em outros.  O maior beneficiado foi o JBS-Friboi, ao qual o BNDES concedeu vários tipos de empréstimos, comprou debêntures e ações.  Hoje, o banco tem 20% do capital da empresa, mas houve emissões de debêntures que o banco comprou quase 100% do que foi emitido.

Consolidação pode acontecer em qualquer mercado, principalmente depois de crises, mas o problema é que a ideologia do BNDES é de induzir a concentração para a formação de campeões nacionais em cada setor: grandes conglomerados.  Esta era exatamente a ideia dos estrategistas da política industrial do governo militar.  O projeto fracassou.  A maioria dos escolhidos quebrou, se encolheu, foi comprada por empresas estrangeiras.  Não é o Estado quem deve escolher quem é campeão; quem tiver competência que se estabeleça.

O frigorífico Independência foi o sinal avançado de que essa escolha de favoritos poderia fracassar: ele quebrou logo após o banco emprestar recursos e comprar ações da empresa.

O JBS com toda a montanha de ajuda deu prejuízo no ano passado, tem demitido funcionários, como aconteceu recentemente em Campo Grande, e suas ações despencaram.  De primeiro de janeiro de 2010 até sexta-feira, a queda foi de 41,2%.

Um estudo de Antônio José Maristrello Porto e Rafaela Nogueira, do Centro de pesquisa em Direito e Economia da FGV-Rio, apontou ?indícios de que os empréstimos fornecidos pelo BNDES possibilitaram a ampliação dos lucros dos frigoríficos à custa dos consumidores e dos produtores de carne brasileiros.? Segundo artigo que os dois publicaram no ?Estado de S.Paulo?, na semana passada, estudos mostram que o setor teve ?aumento de preço para o consumidor final e queda de preço recebido pelo produtor.?

Tudo isso era para aumentar nossa presença no mercado internacional, tanto que o BNDES incentivou o JBS na compra de frigoríficos no exterior.  No ano passado, caiu o volume de exportação de carne brasileira.  Em volume, foi o pior resultado desde 2004.  Em valor, subiu porque o preço ficou mais alto no mercado internacional.  Segundo a Scot Consultoria, que acompanha o setor, o Brasil está exportando 15% menos do que em 2005.

A Bertin saiu do setor de carne, também dentro dessa estratégia de consolidação induzida pelo Estado.  Ganhou concorrências no setor elétrico e foi incluída no consórcio que o governo organizou para disputar a hidrelétrica de Belo Monte.  A situação atual da Bertin é a seguinte: ela não conseguiu concluir em tempo seis das térmicas cujas concessões ganhou; está enrolada em outras 15; saiu de Belo Monte e tem que pagar multa a Aneel.

O grupo Bertin recebeu do BNDES R$ 3,3 bilhões entre 2007 e 2009: R$ 800 milhões em financiamento e R$ 2,5 bilhões em operações no mercado de capital.  Em 2009, o setor de carnes da Bertin foi comprado pelo JBS-Friboi, grupo que recebeu em três anos R$ 7 bilhões: um aporte de capital em 2007 no valor de R$ 1,1 bilhão, um segundo aporte de R$ 1,6 bilhão.  Em 2009/2010 houve subscrição de debêntures no valor de R$ 3,4 bilhões.  Além disso, houve outros financiamentos de R$ 395 milhões e R$ 580 milhões.  Com a compra, o JBS assumiu todas as dívidas que o grupo tinha com o banco e o banco passou a ter 20% do JBS-Bertin.

A ação do Ministério Público do Acre é contra 14 frigoríficos pelos crimes de compra de gado de fazenda flagrada em trabalho escravo ou em fazendas que foram autuadas por desmatamento ilegal.  Um deles é o JBS.  A Ação do MP informa que as ?guias de transporte animal? comprovaram que o JBS-Friboi comprou bovinos em 2009 e 2010 das fazendas de Gramado e Bella Alliança, no Acre, que ?foram flagradas com a prática de exploração de trabalho análogo ao de escravo.? A descrição das condições em que foram encontrados os trabalhadores é de envergonhar o país.  Eles eram submetidos à moradia indigna, alimentação inadequada, água suja, anotações em caderno de compras, descontos em seus salários do material de segurança, trabalho com agrotóxico sem proteção.  Isso cria uma situação absurda: o BNDES escolheu como campeão, emprestou e virou sócio de empresa que aceita essa prática ao comprar carne desses produtores.

No caso da Bertin, o governo agora vai chamar outras empresas para salvar os empreendimentos.  A Petrobras está escalada para assumir as termelétricas que a Bertin não conseguiu concluir.  A Vale, agora sob nova direção, foi escalada para salvar Belo Monte, assumindo a participação da Bertin no consórcio.

O BNDES reeditou a política industrial que deu errado nos anos 1970 e ela deu errado de novo.  O governo vai admitir que errou ou continuar repetindo a mesma insensatez?