sábado, 14 de maio de 2011

Código Florestal revela o círculo do favor

Como entender o que aconteceu na Câmara dos Deputados por ocasião da tentativa de votação de alteração do Código Florestal. Não há na história do Congresso Nacional nenhum exemplo em que as lideranças, depois de orientarem suas bancadas partidárias, tenham voltado atrás e alterados seus encaminhamentos de votação.
Houve três sessões extraordinárias para votar o Código Florestal. O relator deputado Aldo Rebelo (PCdoB) só chegou à Câmara no início da noite. Ninguém tinha a última versão do relatório. O PV e o PSOL apresentaram dois requerimentos de retirada do Código Florestal da pauta, mas foram derrotados.
A maioria expressiva dos parlamentares se mostrava suficientemente para evitar qualquer manobra regimental que tentasse impedir a votação. O deputado Aldo Rebelo junto com os outros líderes fez os últimos ajustes no texto. A última sessão foi reaberta por volta das 22 horas para votar o Relatório. O Relator subiu à tribuna e fez um discurso com os principais pontos do relatório.
O líder do PSOL, deputado Ivan Valente (SP), apresentou um requerimento solicitando a retirada do PL da pauta, mas foi derrotado. Os deputados Eduardo Cunha e Sibá Machado (na qualidade de Líder do PMDB e PT, respectivamente) solicitaram verificação de votação. Mais uma manobra regimental para ganhar tempo, pensaram os ruralistas. Porém, verificação de votação é nominal e pode expor o parlamentar diante de sua base eleitoral ao ter seu voto estampado no painel eletrônico.
Os lideres partidários começaram a orientar o voto “não” aos seus liderados. O PV e PSOL encaminharam “sim”. Quando faltavam alguns líderes, o deputado Vaccarezza (PT-SP), líder do Governo, assumiu a tribuna e fez um discurso insólito: pediu às lideranças da base de apoio do governo que invertessem seus votos de “não” para “sim”. Sua justificativa: o governo não queria votar no escuro. Breve tumultuo.
As lideranças, desorientadas diante da reorientação do Governo, foram uma a uma tomando a palavra e se desdizendo, de forma incômoda, do “não” para “sim”. Para evitar o constrangimento dos seus liderados, os líderes se declararam em obstrução. Este foi mecanismo que encontraram para não expor os demais parlamentares do partido. O plenário que estava cheio de entusiasmo para votar as alterações do Código Florestal se reduziu a 190 deputados votantes, dos quais somente cinco votaram “sim”, contra o encerramento da sessão.
Porém, não é no mecanismo da obstrução que se encontra a explicação para o encerramento da sessão ou na atitude inusitada do Líder do Governo. Mas, em dois alicerces da política nacional que perdura desde o império: a cultura do favor (Roberto Schwarz, “Ao vencedor as Batatas”), que precisa de cumplicidade para se manter, e o poder da forma presidencial de um governo de coalizão.
Guilherme Mota, em “Ideologia da Cultura Brasileira”, escreveu que “a nova ordem republicana não passa de um inabalado modelo autocrático-burguês com estrutura firme a desafiar a imaginação histórico-sociológica e política daqueles que ainda procuram cultivar algum pensamento utópico”. O que está aí, continua Mota, “não passa de uma república de aspones pendurados no Estado”. Como bem observou Raymundo Faoro “falta-nos Robespierres”. “E sem esse tipo de pessoas não se fazem nem sequer reformas para valer”, completa Mota.
A situação acanhada com que os parlamentares reagiram ao discurso do Líder do Governo não revelava somente a subserviência do Legislativo diante do Executivo, mas revela que a estrutura de poder criada pelos governos de coalizão ampla que se torna contraditória. A forma presidencialista de governo, que comanda a distribuição de cargos no Estado, constrói a sua base a partir do favor, que é chamado de acomodação partidária.
Na hora da cobrança da fatura o Executivo lembra ao favorecido que pode manter ou não o “favor” negociado. A cumplicidade que assemelhava as diferentes autoridades, agora torna a contraprestação em uma cerimônia de superioridade política. Os milhares de cargos atribuídos a partir do favor dependem do humor do Executivo e não do bom ou mau desempenho do apadrinhado. A atual politocracia, que não considera o mérito, tem contribuído para erodir a política pública e diminuir o acesso público aos diretos mais elementares.
Nem o latifúndio, que sobreviveu à Colônia, Reinado, Regências, abolição e a República, impondo-se pelo favor aos agregados, pôde, desta vez, se sustentar. A cultura do favor, este “sistema de impropriedades rebaixa o cotidiano da vida ideológica e diminui as chances de reflexão”. Diante deste teste de realidade sucumbiram os defensores da imediata votação do Código Florestal.
Edélcio Vigna, assessor do Inesc