sábado, 9 de junho de 2012

E a Rio +20 salvou as florestas

ALÔ, LÍDERES MUNDIAIS: vocês não precisam mais vir para o Rio em junho, pagar metade do PIB dos seus países por um quarto de hotel e nem enfrentar o perrengue do trânsito até a Barra. Vocês já cumpriram o papel mais importante da Rio +20 sem precisar sair de casa: salvaram as florestas brasileiras. Então até logo, e obrigado pelos peixes.

Como assim? — perguntará o eventual leitor deste blog. Até onde você saiba, as florestas nunca estiveram tão ameaçadas, certo? O Código Florestal novo, promulgado ontem pela presidente Dilma Rousseff com seus 12 vetos, é um desastre, certo?

Hmmm, certo. Mas em termos. Esqueça por um momento todas as cascas de banana que ficaram na legislação. Esqueça que ela praticamente sepulta o conceito de reserva legal, ao permitir soma com as áreas de preservação permanente em qualquer caso e a recomposição com 50% de espécies exóticas em qualquer caso (alô, Greenpeace, saudade do Floresta Zero?). Esqueça que ela mudou os critérios definidores de áreas de preservação permanente como topos de morro e margens de rio, liberando HOJE MESMO novos desmatamentos nessas áreas. Esqueça a polêmica tola em torno do artigo 61, a tal “escadinha” da reposição das APPs, que os ruralistas estão fingindo achar o fim do mundo, coitados, porque vai acabar com as áreas produtivas do país. BS. Nada disso importa, por um motivo simples: no Brasil, ninguém pagava multa e nem recompunha floresta, e eu aposto um boi como ninguém vai pagar multa nem recompor floresta com as novas regras.

A única coisa que importa no código DE VERDADE foi um veto que Dilma fez corretamente, e mirando a Rio +20: o Artigo 1° da lei.

Recapitulemos: o Código Florestal atual, aquele lixo de legislação cheia de remendos e alterado por MP em 1996 e que por isso mesmo PRECISAVA ser reformado (na visão dos ruralistas), tinha como princípio orientador, estabelecido em seu artigo 1°, a proteção das florestas brasileiras, bens de uso comum a todos, e impunha a limitação do exercício do direito de propriedade para isso. Ao relatar o código na desastrosa comissão especial da Câmara, em 2009, o deputado Aldo Rebelo (PC do B-SP) deve ter achado que esse negócio de “bem de uso comum” e “limitação do exercício do direito de propriedade” era coisa de comunista e resolveu baixar a bola do artigo 1°. No texto que saiu da Câmara em maio de 2011 para o Senado, o Código Florestal dispunha apenas sobre “as área de preservação permanente e a reserva legal”.

O que isso significa? TUDO. No mundo maravilhoso dos advogados, o princípio tem precedência sobre a própria lei. Qualquer dúvida judicial sobre a aplicação do código (e, acredite, haverá várias) pode ser decidida por juízes ou procuradores com base nos princípios. Ao destituí-lo destes, Aldo transformou uma lei ambiental numa mera disciplinadora de atividades rurais (tipo “estupra, mas não mata”). In dubio, pro motosserra. O Senado corretamente reviu isso e devolveu o caráter ambiental à lei, enfiando-lhe oito princípios, como evitar as mudanças climáticas e promover o desenvolvimento sustentável. In dubio, pro floresta. A Câmara não achou a menor graça e devolveu no segundo turno de votação o texto original.

Dilma, como você pode imaginar, não é nenhuma Rachel Carson. Não dava a menor importância para o código, apesar da promessa de campanha, um tanto vaga e feita só para a Marina sair do pé dela, de não “anistiar desmatadores”. O governo não tinha opinião formada sobre o artigo 1°, e até a reta final da segunda tramitação na Câmara achava que daria muito bem para passar sem ele. Dilma chegou a dar aval a um acordo que anistiava desmate em APP de proprietários de até 1.500 hectares. O que a fez voltar atrás? A Rio +20.

No exterior, pegou mal pacas a hesitação do Planalto em torno da lei e a aprovação do Código Rural Florestal pela Câmara. Mais de um diplomata europeu me disse que a capacidade do Brasil de liderar e de cumprir compromissos — dois itens de série do kit potência global — seria medida não em pequena parte pelo resultado do debate florestal.

Daí a volta triunfal do Artigo 1° do Senado e o veto ao 61. A bola agora volta a quicar na quadra dos parlamentares, que, embora finjam não ter curtido a recuperação de APP, estão injuriados mesmo é com os princípios. A ministra Izabella Teixeira (Meio Ambiente) tem pressa para aprovar logo a MP 571, que restaura os vetos ao código e complementa-o com outras provisões do texto do Senado. Izabella sabe que, depois de 22 de junho, a carruagem vira abóbora de novo.

PS: o novo Código Florestal é uma legislação parcialmente vetada e remendada por MP, que nem o antigo. Por que este Frankenstein vale e o outro não valia?

PS2: prova do que eu estou dizendo são as invectivas dos ruralistas contra o Artigo 1°, vocalizadas no blog de Ciro Siqueira, com quem mantenho uma discordância mais ou menos respeitosa.