quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Entrevista dada, Revista Veja

Por ocasiao do anuncio publico do relatorio "O Futuro Climatico da Amazonia" recebi muitas demandas de entrevistas. Para ajudar os meios a permanecerem fieis às minhas respostas, passo a publicar neste blog as entrevistas concedidas.



Veja- No relatório, o senhor diz: “Uma situação extraordinária requer medidas extraordinárias. Sempre é tempo de rever leis para adequá-las às demandas da realidade e da sociedade. Somente multar desmatadores, que mais adiante serão anistiados pela burocracia ou pelo Congresso, é receita de fracasso.” Quais mudanças o senhor proporia à legislação para um melhor combate ao desmatamento? Pelo relatório, pode-se deduzir que o fim à anistia de desmatadores. Há algo mais?


Proporia os mesmos avanços e aperfeiçoamentos que a SBPC e a Academia Brasileira de Ciencia propuseram em 2011 durante as discussoes do Codigo Florestal no Congresso (veja o livro publicado aqui). Sim, muito mais mudanças. Para começar a lei florestal precisa ser incontroversa, facil de entender e aplicar, e, fundamentada na melhor ciencia. Uma lei sabia, que conte com fundamentos logicos accessiveis e que seja ao mesmo tempo justa para todos, e responsavel com o futuro, ainda precisa ser construida no Brasil. A oportunidade que tivemos 3 anos atras foi perdida em um jogo de interesses mesquinhos e falta de visao.

Veja- O governo brasileiro diz ter atrasado os números sobre o desmatamento da floresta porque vai começar a usar um sistema de satélite capaz de captar imagens em terrenos de até 6 hectares – antes eram 25. Dados da ong Imazon, no entanto, mostram que o desmatamento cresceu na região. Esse aumento, apesar da tendência clara de diminuição do desmatamento nas últimas décadas, é preocupante? Com novas tecnologias de monitoramento, como imagens de satélite mais precisas, e conscientização da população, como o senhor sugere no relatório, há como se estimar quando conseguiríamos chegar do “desmatamento zero”?

O aumento é consequencia obvia e prevista da ampla e imoral anistia concedida para desmatadores pelo novo Codigo Florestal. Como frisei no relatorio, o desmatamento anual é grave e precisa ser zerado para ontem -nao mais procrastinar em relacao a isso é obrigaçao de todos, porque  o clima está em jogo-. A continuar a tendencia de crescimento nestes ultimos anos, mto breve estaremos de volta batendo records de destruiçao anual. Mas temos em nosso colo um problema ainda mais grave: precisamos reconsiderar o passivo do desmatamento, a enorme area que foi raspada na Amazonia nos ultimos 40 anos. Sao 3 Estados de Sao Paulo, ou 184 milhoes de campos de futebol, quase um por brasileiro. É essa massiva destruiçao na grande usina de serviços ambientais Amazonica que sente o clima. E isso sem considerar area ainda maior de florestas degradadas, cujo papel para o clima tambem fica muito comprometido.

Veja-  Na Cúpula do Clima de Nova York, que aconteceu em setembro, o governo brasileiro deixou de assinar um acordo mundial de desmatamento zero. Entre os motivos apresentados por representantes oficiais, está o fato de o Brasil não ter sido chamado para a elaboração do documento (apesar de a ONU afirmar que procurou o governo, mas não recebeu nenhuma resposta), e também a postura brasileira de distinguir o desmatamento legal do ilegal. O que o senhor acha sobre isso? Na sua opinião, o Brasil deveria ter assinado o acordo? O senhor acha que a distinção entre o desmatamento legal e ilegal pode prejudicar ainda mais a Floresta Amazônica?

Quero crer que a posiçao oficial do Brasil desconhece os argumentos da ciencia, caso contrario teria liderado com destaque um movimento pelo desmatamento zero em curtissimo prazo. O que se chama de desmatamento "legal" é aquele permitido por uma lei feita ao arrepio da vontade da sociedade - expressa massivamente em pesquisas de opiniao-, por um congresso cuja maior parte dos parlamentares sao proprietarios de terra. Dada a condicao de evidente degradaçao climatica resultante do desmatamento, existe um paralelo proximo entre o clamor dos proprietarios de terra de hoje, pleiteando seu "direito" de continuar desmatando, com aquele expresso por proprietarios de terras em meados do seculo 19, que se opuseram ao movimento para acabar com a escravidao, alegando que possuir escravos era plenamente "legal", e que sem a mao-de-obra escrava sofreria a economia, porque nao teriam como colher o café ou cortar a cana.  O Brasil se livrou da degradante escravidão, por uma nova lei feita para atender os reclamos da sociedade e da civilidade. Nem por isso nossa agricultura entrou em falencia. Agora precisamos nos livrar do ilogico, imoral e extremamente danoso desmatamento, e para tanto precisamos de uma nova lei que nos recoloque no caminho da civilidade ambiental e sustentabilidade climatica. Se agirmos nesta direção a agricultura do futuro agradecerá, porque teremos com isso salvo o principal insumo do setor primario: chuvas fartas, reguladas e benignas.